quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Incoerência

“Apoiei os braços sobre o parapeito da janela e vi a respiração quente tornar-se fumaça naquela noite fria. Observei da janela do oitavo andar as pessoas que caminhavam de lá pra cá. Quantos segredos guardariam seus corações? Eles caminhavam sem rumo. Sabiam que estavam indo de casa para o trabalho, ou para alguma festa, mas ainda assim continuavam sem direção. Juntei-me a eles, coloquei o primeiro casaco que encontrei, tomei mais alguns comprimidos e outro gole de whisky, então saí pelas ruas, caminhei sem saber para onde ia, apenas caminhava. Tentei manter a mascara sobre meu rosto, senti frio, olharam para mim.
Não teria palavras para dizer o quanto eu parecia nua naquele momento. Todas as minhas vergonhas estavam em exposição, todo meu passado chegara até a mim com tanta intensidade amarga que arrebatou minhas roupas para longe, assim despindo-me. Diga-me... do que adiantava tanto tecido envolvido em meu corpo se meu olhar denunciava meus erros e culpas? O que criei por todos esses anos foram mentiras para manter um sorriso de plástico. Moldei-me ao que eles queriam e depois tentei parecer sã. Nunca quis seguir padrões e assim, sem querer, eles estavam implantados em mim. Todas as correntes estavam ali, tocando minha pele sem que eu sequer notasse. E assim fizeram, usaram, abusaram... e agora? Quem caminha por essa calçada é mais alguém sem face. É mais alguém que atolou o rosto em argila e criou sua máscara, depois deixou que pintassem e seguiu em frente.
Não me culpe por procurar as chaves, por tentar quebrar as correntes, apesar de parecermos tão robóticos, ainda corre sangue em minhas veias. Ainda tenho sede por essa tal de vida aí que tanto falam. Mais alguns passos e já posso ver um viaduto no ponto mais alto da cidade, vou ficar por lá, respirar, pensar, e depois abrir minhas asas. Vou conhecer tudo o que as pequenas janelas da prisão nunca me deixaram ver. Vou sentir o sol, o vento, as nuvens, a vida. Não prenda-me, não use de censura. Não espere por mim.”


Escrito por mim, melhorias e título por Jéssica Cunha.

sábado, 14 de julho de 2012

você entende.

Em silêncio agridoce 
em choro que não se contém 
em sorrisos internos 
em canções que fluem por si mesmas
ao sol de seu olhar
junto à paz de seu sorriso 
em cada toque
ou longe deles
entregue ao abraço 
ou entregue às memórias 
protelei 
guardei as palavras cortando-as em verso 
pra assim dizer, 
te amo

domingo, 6 de maio de 2012

Licantropia

Suas pupilas estavam dilatadas, até mesmo seu reflexo no espelho estava diferente. O anjo de luz transformava-se em anjo caído. A paz de seu olhar desaparecia enquanto a fúria tornava-se matéria ganhando formas humanas, prestes a destruir qualquer um que ousasse aparecer. Era melhor fugir antes que não houvesse tempo. Era melhor fugir antes que fosse tarde demais para recuperar sua essência e tornar-se doce outra vez.

quarta-feira, 14 de março de 2012

Éden

Será que eu posso fechar os olhos e fingir que está tudo bem? Posso desejar que tudo tenha mudado quando eles forem abertos? Eu gostaria de poder escolher meus sonhos. Então, sonharia que te vi sorrindo pra mim. Sonharia com o teu abraço e a tua voz serena me dizendo que passou, que foi só um filme triste que assistimos juntos e que era coincidência os protagonistas terem os nossos nomes. Eu sonharia com aquele gramado dourado, sonharia com os lírios que enfeitariam o nosso lugar. Sonharia com você dizendo que me ama, sonharia com uma vida sem saudade, nem distância, orgulho ou medo.
Poderíamos ficar presos em um lindo "pra sempre", onde não há dor, doença, mágoa ou coisas que pudessem nos afastar. Poderíamos ficar presos em nossa valsa eterna e passar o resto de nossos dias compondo uma canção interminável.
Que ficássemos presos então, em um mundo paralelo à realidade, já que esta é implacável.
Que pudéssemos dormir um pouco durante a tarde, sendo confortavelmente aquecidos pelos últimos raios de sol, protegidos pela sombra de uma árvore.
 Que este amargo desaparecesse num abrir e fechar de olhos!
 Poderíamos ser apenas crianças olhando o formato das nuvens no céu, quando a sua mão encontra a minha pela primeira vez e uma alegria inocente faz morada em teu olhar.

quinta-feira, 1 de março de 2012

Pra lembrar que a vida é fragil

Permita-me encostar um pouco
usar teu ombro como apoio
e assim
quase sem querer
cochilo

A mente antes inquieta poe-se em silêncio,
lenço de seda que cobre o teu rosto
são risos que escondem teu choro
tão solitário

Voa aqui por perto, borboleta
em tom anil
conforta-me a dor
dispensa o desdém do ontem
prenda-me ao teu presente
tão presente
és meu presente...

o futuro é inconstante como as fases da lua
guarde
a vida, a força e o tempo
porque o tempo é borboleta
e voa também

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Sempre a mesma coisa.

Está frio e eu nem sei por que raios o ventilador está ligado. De repente me bateu uma vontade desesperadora de sumir com todos os relógios dessa casa, - embora as horas fossem continuar passando - assim eu não me assustaria tanto. É medo mesmo, assumo. Medo porque o tempo sempre rouba de mim tudo o que amo. E eu não quero dizer o quanto essa saudade aperta aqui dentro, eu não quero repetir tudo o que já disse. O tempo é egoísta demais! Porque talvez se o tempo tivesse parado, você não estaria longe de mim agora . O tempo é mais egoísta que eu, que não te deixaria partir. Você sabe o que é pior? Dói e dói muito! Quanto mais as horas passam, mas eu engulo o choro. Ou choro pra dentro mesmo, é assim. E além do mais... "Amanhã" já está chegando. Perdi mais uma pro tempo. Ele conseguiu levar mais um dia (pra não dizer que levou "toda" ela) da minha vida...

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Gotas no vidro.

Éramos eu, um ônibus cheio de estranhos e vários sonhos escorrendo como as gotas de chuva que escorriam pelo vidro. Chovia lá fora, as pessoas passavam depressa, como se toda a vida se resumisse a chegar mais cedo no trabalho, ou não perder o dia de faculdade... mas e ali, dentro daqueles corações? O que será que existia? Talvez houvessem planos frustrados e amores deixados de lado. Talvez a rotina fosse só fruto de corações covardes que se recusaram a lutar pela única coisa que daria às suas vidas algum sentido real. Meu corpo estava dentro daquele ônibus, mas meu coração há tempos já permanecia lá fora, longe... A vida não é justa, e ela não será justa até que o amor deixe de ser algo que só dá certo em filmes.
Então eu continuo pensando no nosso clichê tão bonito. Às vezes me pego vendo vestidos de noiva nas vitrines das lojas e acabo por achando graça daquele cisco de esperança que me alimenta dia após dia. As vezes eu olho as crianças correndo no parque, eu vejo os pais carregando os filhos nos ombros, eu vejo casais apaixonados sorrindo, mas eu sou só mais uma estranha no ônibus. Só mais uma estranha que chora silenciosamente sem nenhum motivo conhecido. Sem nenhuma razão que seja válida para os outros. Eu sou só mais uma sombra que observa a água na janela e que se atrevera a sonhar. Só mais alguém que se alimenta de um passado tão cheio de brilho e um futuro quase invisível. Só mais uma.